Assentamento

Uma escrita não é a marca de um começo. Sua primeira frase ou letras não são a indicação de um início. O começo é uma ponta perdida, um fio de linha que não encontro, talvez, nem uma ponta, só o emaranhado da linha. 

Ou uma escrita é aquilo que jorra do corte. Escrita como um fungo ou fluxo que acontece no corte. Se for assim, a escrita também acontece quando há um corte na análise. Ouvir: podemos ficar por aqui é ouvir: escreve. Nós, a analista e eu, aquele sala, as cadeiras, ficamos por aqui, mas a escrita caminha. Acontece.

Não sei, como não sei se este será um espaço para pensar escrita ou um espaço para onde escorrem pensamentos e impressões sob a forma dela, a escrita. Um espaço onde as mãos se mostram de um outro modo, não somente para criar imagens, mas textos. 

Durante um tempo, tentei separar as coisas; ser artista que escreve ou ser escritora que produz imagens e objetos. Isso me assegurava um certo estrangeirismo, pois não estava nunca em acordo com meu entorno e podia ser  "aquela outra coisa que não está aqui”. Era interessante, mas foi me levando a um país de lugar nenhum. Uma estrangeira sem pátria, mátria ou língua comum com outros. Uma solidão. Sem o glamour romântico da solidão, apenas um isolamento angustiado, um olhar de longe. 

Não sei muito bem se esses pensamentos deveriam ser compartilhados, um encantamento pelo silêncio me ronda o tempo todo, mas a demanda de se mostrar viva, de provar que existo nesse mundo quantificado, pede que me mostre. 

Gosto dos tempos de recesso, assim entre Natal e o novo ano, parece um intervalo no qual posso me esconder e me permitir não existir. Pensei em deixar de existir, mas toquei em gente demais para poder desistir assim. 

Decidi, então, deixar esses pensamentos pousarem nesta superfície instável. Não me importo de expor o que penso e, por mais estranho que pareça, não é vaidade, mas seu contrário. Não importa se penso torto ou em nada, mas é preciso encarar o exercício de escrita, a constância. Tudo parece perdido e ruína, por isso, repetir, ser constante e sustentar a prática, tanto do ateliê, quanto da escrita e, também, a prática de não dar tanta importância às notas mentais do dia a dia e deixa-las por aqui, por aí. 

Não tenho certeza se poderei deixar de me sentir estrangeira neste mundo, mas tentarei criar um quintal pra mim, onde os seres que o habitam, sejam meus irmãos e o chão, minha frátria. 

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